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Nota Pública sobre a operação policial de 28 de outubro de 2025 no Rio de Janeiro


Data de Publicação: 29 de outubro de 2025


O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), autarquia que orienta, fiscaliza e disciplina o exercício profissional da Psicologia no estado, vem a público manifestar seu profundo desagravo diante da operação promovida pelo Estado do Rio de Janeiro em 28 de outubro de 2025. A ação, iniciada no Complexo do Alemão e da Penha e expandida para diversas outras áreas da cidade e do estado, resultou em mais de 100 mortes contabilizadas até o momento, configurando-se como a chacina mais letal da história recente do Rio de Janeiro.

Tal evento mergulhou a população em uma sensação generalizada de medo e insegurança, com a interrupção de serviços essenciais como escolas, unidades de saúde e comércio, suspendendo direitos de populações inteiras. Como apontado em estudo produzido pelo Sistema Conselhos de Psicologia em 2018, no contexto da ocupação militarizada na Segurança Pública do Rio de Janeiro, as diferentes intervenções militarizadas na cidade aprofundam violências. Precisamos organizar outros modos de operar a segurança pública em nosso Estado, garantindo a segurança das pessoas, dos direitos humanos e uma atuação pautada em outros referenciais que não a guerra contra a população mais pobre. 

Esta manifestação se fundamenta nas contribuições éticas e técnicas acumuladas pela Psicologia brasileira no debate sobre políticas públicas. O acúmulo técnico, teórico e político da profissão, consolidado nas Referências Técnicas do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), especialmente na discussão de segurança pública, que nos permite afirmar com grave preocupação que operações como a ocorrida reeditam lógicas ancoradas no racismo estrutural. Isso porque as lógicas que sustentam as chacinas no Rio de Janeiro se traduzem em ações de uso da força em operações-espetáculos, que suspendem direitos de populações, majoritariamente negras e moradoras de favelas e periferias, sob o discurso de uma suposta "guerra às drogas". Esta política de segurança pública, que insiste em reproduzir a lógica da "guerra", historicamente se mostra ineficaz para desarticular as redes criminosas e letal para os segmentos mais vulnerabilizados, aprofundando as desigualdades sociais e exercendo um controle social através da letalidade, produzindo situações de emergência diante de um desastre como este, requerendo estruturas de suporte do estado - como comitês intersetoriais para enfrentamento aos efeitos da chacina, bem como apoios legais diante da situação. 

Reafirmamos, em consonância com as diretrizes técnicas da profissão, que a construção de uma segurança pública efetiva e cidadã não se dá pelo incremento da violência e militarização, mas sim por meio de esforços multidimensionais, intersetoriais e de longo prazo. Isso envolve:

  1. Investimentos consistentes em políticas sociais, educação, saúde, assistência social e infraestrutura comunitária, articulando diferentes campos do saber para a operacionalização das políticas de segurança;
  2. O fortalecimento da inteligência policial focada na desarticulação das redes financeiras e de armas do crime organizado, e não na ocupação bélica de territórios, conforme ações na Faria Lima realizadas em agosto e setembro de 2025 ou na apreensão de fuzis na operação contra Ronnie Lessa, que apreendeu 117 fuzis sem um único disparo;
  3. A priorização de ações de prevenção à violência e o fomento à participação popular na construção e monitoramento dessas políticas, por meio dos espaços de Controle Social, por exemplo. 

Adicionalmente, ressaltamos que a pauta do uso de drogas deve ser tratada como tema de saúde pública, e não de segurança. Como apontam as Referências Técnicas do CREPOP sobre política de álcool e outras drogas, é fundamental a articulação com ações robustas nos campos da saúde e da assistência social, pautadas na redução de danos, no cuidado e na garantia de direitos, e não na criminalização, repressão e estigmatização dos usuários.

Neste momento de dor, o CRP-RJ expressa sua irrestrita solidariedade a todas as pessoas e famílias atingidas pela violência resultante dessa operação, incluindo moradores das favelas afetadas, que tiveram suas vidas e direitos suspensos, e os próprios trabalhadores da segurança pública, que foram vitimados em pleno dia do servidor público por uma política que os expõe a riscos extremos e produz adoecimento psíquico. 

A cidade do Rio de Janeiro perde quando a necessária ação contra o crime organizado se desvia de padrões baseados na inteligência, na legalidade e no respeito aos direitos humanos fundamentais. A Psicologia Brasileira, pautada em seu Código de Ética Profissional, reafirma seu compromisso intransigente com a defesa da vida, da dignidade humana e a construção de uma sociedade livre de opressão.

Por fim, o CRP-RJ orienta que as psicólogas e psicólogos atuantes nas ações de assistência às vítimas de violência de Estado organizem suas intervenções à luz do que está preconizado nas referências técnicas e éticas da profissão, notadamente as publicações do CREPOP sobre Segurança Pública, bem como as demais normativas que fundamentam a análise crítica sobre a violência de Estado. Sabemos que, neste momento de profunda dor e indignação, a Psicologia é convocada para contribuir para garantir a dignidade e direitos das vítimas e familiares, desde seu lugar de atuação nas políticas públicas de estado, na clínica ou no terceiro setor. Ao longo das últimas décadas, temos avançado em uma transformação da profissão que nos aproxima cada vez mais de favelas e periferias, em particular pela nossa atuação no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O Conselho permanece à disposição para eventuais orientações. 

Não há saúde mental possível sob a mira de fuzis e sob o risco iminente da morte. Nenhuma busca por segurança pode justificar a perda de vidas humanas ou se sobrepor às garantias constitucionais.



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